Em meado dos anos 80, as notícias eram divulgadas maioritariamente pela imprensa escrita e pela estação televisiva RTP. A verdade divulgada pelos vários meios era poucas vezes posta em causa e existia uma confiança elevada entre o leitor / espectador e os jornalistas que a transmitiam. Claro que por vezes eram difundidas notícias que não correspondiam à verdade na sua totalidade, no entanto eram rebatidas – na sua maioria – nos diversos espaços de direito de resposta e com razoável civilidade.
Após os anos de 1992 e 93, o país assistiu ao aparecimento de dois canais de televisão independentes que vieram mudar o status quo da comunicação em Portugal. O propósito da televisão deixou de ser apenas a informação e o entretenimento, e passou a incluir – de forma mais agressiva – o lucro que os canais tinham de gerar aos seus acionistas.
Embora as empresas detentoras dos canais estivessem posicionadas também na imprensa, o potencial que a televisão tinha foi rapidamente aproveitado para transformar a guerra pela melhor capa, numa guerra de audiências. A procura aguerrida por um exclusivo deu origem a um processo que, com o passar dos anos, foi lentamente moldando a verdade em torno das notícias que criam mais polémica e que podem gerar maior retorno no curto prazo.
A Internet da mentira
O novo milénio trouxe a comercialização e a acessibilidade da Internet ao grande público. Os sites, blogs e fóruns começaram a proliferar, e em pouco tempo, o conhecimento passou a estar à distância de um clique.
“Dói-me a garganta estarei doente?”
“Como retiro nódoas de azeite?”
Não sabíamos fazer alguma coisa e tínhamos dúvidas? A Internet era a resposta para tudo. Mas claro, diz o ditado que tudo o que é bom acaba depressa, e como tal, esta enciclopédia começou a ser deturpada à medida que a publicidade online se tornava uma fonte de rendimento para muitos. Falsas promoções, falsos concursos e falsas revelações chocantes começaram a surgir com mais regularidade.
Começava assim a era da mentira virtual.
Não interessava se o conteúdo tinha qualidade, mas sim que os utilizadores entrassem no site e potencialmente gerassem algum retorno.
Criadas as condições na sociedade para uma comunicação livre e com poucas barreiras, foram-se criando espaços onde a liberdade de expressão podia ser levada ao extremo e toda a informação facilmente criada e divulgada.
Redes sociais e a liberdade de expressão
A Internet era um universo por explorar e os utilizadores queriam mais e mais. O conhecimento já não era o suficiente e a mudança de hábitos de estudo e de trabalho originou uma necessidade por interagir com o mundo. A ida à biblioteca local ou aos correios deixou de ser necessária e as pessoas tornaram-se mais independentes e solitárias. O resultado foi um afastamento das interações “ao vivo” e uma procura por alternativas virtuais.
Olá! Ddtc? Idd? M ou F?
Olá! De onde teclas? Idade? Masculino ou feminino? Assim se iniciava uma conversa em meados do ano 2000, nos grupos de chat como o mIRC ou Terravista. Com um olá e três simples questões, podíamos ficar a conhecer as características mais relevantes de outra pessoa e com a mesma rapidez terminávamos a conversa caso as respostas não fossem de encontro ao esperado.
Bastava um clique.
A curto prazo os utilizadores foram querendo contornar esta forma de filtragem e recorreram para isso a fake profiles (perfis falsos). Banalizou-se ainda mais a mentira, e por detrás de um teclado cada um podia ser o que quisesse.
O importante já não era ser, mas sim parecer.
Facebook e Fakenews
Decorria o ano de 2004 quando a rede social Facebook surgiu na Estados Unidos. Com uma utilização inicialmente limitada aos estudantes de Harvard, Mark Zuckerberg e os seus colegas de quarto Eduardo Saverin, Dustin Moskovitz e Chris Hughesn, não tinham certamente a noção do monstro que tinham criado.
Pouco tempo após o seu lançamento, a rede do Facebook foi expandida para outras universidades e escolas norte-americanas, tornando-se lentamente num site de consulta diária e (praticamente) obrigatória.
Em Portugal atingiu o seu sucesso entre 2008 e 2009. Numa só plataforma, os portugueses podiam partilhar fotografias, criar grupos de amigos, rever antigos colegas da escola e até jogar online. Quem não perdeu meses da sua vida a colher vegetais no FarmVille?
Em simultâneo com todo o hype e crescimento em torno do Facebook, as vendas de jornais e revistas foram começando a decrescer e a imprensa mainstream começou a dar os primeiros passos no mundo online. Embora estivessem ligeiramente atrasados na sua estratégia digital, rapidamente perceberam o potencial de um site atualizado ao minuto e do poder que uma rede social tinha na divulgação dos seus conteúdos.
Segundo o último estudo da Marktest, “Os Portugueses e as Redes Sociais”, o Facebook continua a ser a rede com maior sucesso e através da qual uma grande percentagem dos portugueses obtém as suas notícias. Este facto, aliado a um modelo de negócio das instituições de informação que privilegia a obtenção de atenção online, contribui para que – cada vez mais – sejam criadas notícias com base no clickbait.
Verdade ou mentira? É irrelevante.
Segundo alguns inquéritos e estudos já elaborados, a iliteracia digital e a alta confiança que os utilizadores têm nas notícias que lhes são apresentadas – qualquer que seja a fonte – demonstram que não existe uma preocupação real em propagar notícias falsas. Por vezes, os mesmos utilizadores sentem-se até legitimados em acreditar em factos deturpados, bastando para isso que estes vão ao encontro da sua forma de pensar e da sua opinião.
Como foi eleito Donald Trump? Como aconteceu o Brexit?
Assistiu-se em 2015/2016 à maior disseminação de conteúdos não factuais de que havia história nas redes sociais. Durante as eleições Norte Americanas, as redes sociais Twitter e Facebook foram fundamentais para criar e alimentar medos e desconfianças relativamente a emigrantes ilegais, economia, segurança, união europeia, NATO, entre muitos outros temas polémicos.
Também no mesmo ano, agora no Reino Unido, foi feita uma campanha com base no populismo e em “meias verdades” para que a população votasse SIM ao fim do vínculo com a União Europeia.
Nestes dois exemplos é claramente visível que as fake news não têm só interesses comerciais, mas também políticos e ideológicos.
Como combater as Fake News?
Este fenómeno gera consequências a todos os níveis da sociedade, sendo por isso fundamental, e primeiro que tudo, uma regulamentação por parte dos países. Alguns governos deram o primeiro passo e começaram já a impor regras e multas para os meios que divulguem notícias falsas de forma intencional.
Ao nível da literacia digital, a própria Comissão Europeia reforçou a ideia de que os governos deverão fazer um esforço por educar as suas populações, tendo em vista uma maior capacidade de distinguir uma notícia real e uma notícia falsa.
Tal como se pode ver na infografia criada pelo IFLA (International Federation of Library Associations and Institutions), a capacidade de pesquisa e de verificação das fontes são os pilares fundamentais para combater a desinformação e, por sua vez, a disseminação de fake news.
Validar a fonte da notícia e autor
Provavelmente o ponto mais importante e que tanta vez é descurado.
Quantas vezes são partilhadas notícias de sites sem qualquer base jornalística? Será um site que relata todo o tipo de notícias ou apenas em torno do mesmo tema? As fontes que apoiam o artigo são fidedignas? E os autores? Têm formação na área? Têm um nome real? Têm fotografia?
Estas são questões que deverá sempre colocar ao ler uma notícia.
Mesmo que esta provenha de uma entidade reconhecida, é por vezes importante validar a informação. Os profissionais da comunicação nem sempre o fazem e acabam por propagar notícias sem uma base sólida. Na era da internet, todos nós podemos ser um pouco detetives e contribuir para a verdade dos factos.
Ler mais
Não se fique pelo título chamativo. Se a notícia lhe interessa, é importante ler o artigo até ao fim. Quantas vezes agarramos uma revista ou um jornal com letras gigantes e que nos geram interesse, para depois ver que as “letrinhas pequeninas” contam uma história completamente diferente? Os sites utilizam a mesma estratégia.
Nas redes sociais, basta entrar no Facebook e ler os comentários a uma qualquer notícia. Garantidamente que uma grande percentagem deles foram escritos tendo apenas por base uma coisa: o título.
Notícia atual ou antiga
Várias polémicas têm vindo à praça pública por conteúdos partilhados há vários anos atrás. Em Portugal, já várias figuras públicas, como Nuno Markl ou José Cid, sofreram na pele as consequências disso. A sociedade mudou e com ela as opiniões e mentalidades. O que há 10 anos atrás era banal, hoje poderá ser considerado ofensivo, e é por isso recomendável pensar como era a realidade à data. Transpor opiniões e notícias para os dias de hoje, quase sempre dá mau resultado.
Será uma piada?
Sites de sátira são muito partilhados nas redes sociais.
Dica: observe com atenção o nome do site e o seu endereço. Se o URL for algo como “inimigopublico.com” ou “humorpolitico.com”, não será difícil concluir que devemos desconfiar.
Preconceitos pessoais
O preconceito é muitas vezes o motor de arranque para acreditar no que estamos a ler, seja o conteúdo verdade ou mentira.
Segundo o dicionário, o preconceito define-se por: “Ideia ou conceito formado antecipadamente e sem fundamento sério ou imparcial; Opinião desfavorável que não é baseada em dados objetivos“.
Devemos assim colocar de parte os preconceitos pessoais e não nos deixarmos levar por notícias que “podem não ser 100% verdadeiras, mas até podiam ser”. Nos últimos anos, o medo, o preconceito e a desinformação, levaram a que várias pessoas voltassem a ser alvo de racismo e xenofobia, como não se via desde há muito tempo.
Fact-checking
Durante as eleições de 2016 nos EUA, foram criados e popularizados vários sites de verificação de factos. A ideia seria validar o que era dito por Donald Trump e cruzar as várias fontes existentes no mundo, para assim confirmar ou desmentir algumas afirmações polémicas. Desde então, a nível europeu, este tipo de sites tem crescido e existem hoje vários projetos independentes e sem interesse político. Exemplo disso são o Polígrafo ou o Observador (que colabora com a Rede Internacional de Fact-Checking).
Muito mais se poderia dizer sobre as fake news e a forma como impactam a comunicação, no entanto, a informação mais valiosa a retirar é: o público detém sempre o poder. A importância, visibilidade e dimensão de uma notícia, são tão maiores quanto o público pretenda. Informe-se, leia, pesquise e pense no impacto que a partilha de uma notícia, seja ela em formato digital ou não, poderá ter nos que o rodeiam.